...porque as melhores coisas nunca são de saber, não há quem as saiba dizer, são coisas de ser...







sábado, 31 de julho de 2010

Morre lentamente - Pablo Neruda





Morre lentamente quem não viaja, quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.

Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajetos,

quem não muda de marca, não se arrisca a vestir uma nova cor
ou não conversa com quem não conhece
.

Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru.

Morre lentamente quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos
.

Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida fugir dos conselhos sensatos.



Morre lentamente quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante.

Morre lentamente quem abandona um projeto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Morre lentamente...


Pablo Neruda in "Pensador"






Do verbo que é "morrer", eu não gosto, duas vezes: pelo não do seu dizer e pelo ser que nos põe a ver. Deixo de ouvir sua fala, para mim ele só cala... é uma mania só dele, faz-nos pensar que é sofrer, que estamos a perder, mas é uma maneira que tem de nos pôr sempre a nascer. Morrer, nunca chega a ser, nunca é não querer viver, é um mudar, um transformar, uma ânsia de nascer. Talvez um "nascer ao contrário" fosse bom para perceber, o que é no fim, um morrer... um sofrer que nos faz vi"ver" de uma maneira diferente da que estavamos habituados a conhecer... Morrer é palavra que alguém inventou um dia, alguém que desconhecia o nascer de todos os dias e do Sol que nos vem pôr, a olhar o amanhecer que há em cada sofrer. É para nos fazer nascer em cada manhã de ser e nos acorda para ver, que morrer afinal, não é sofrer e que nascer pode ser, mais do que apenas viver.
Eu sei que não há morrer, porque acabamos de o fazer em cada segundo de viver e morrer só pode ser uma outra forma de ver, porque como alguém que o sabia se atreveu a dizer um dia (...)"o maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido"(...Pablo Neruda) e vivermos toda a vida sem nunca termos morrido.
Eu recuso-me a aceitar que um dia hei-de morrer, porque tudo quanto morre um dia tem de nascer e se a cada segundo morremos é só porque mesmo a seguir logo temos de nascer, para noutro segundo morrer.
E quem morre lentamente? O tempo de um segundo é um respirar tão profundo que não chega, não dá tempo de viver, muito menos de morrer. O tempo pensa que mata, porque morre em cada segundo. O tempo é um tolo e não sabe, é só o tempo que morre desde que o mundo é mundo, porque viver é o que fazemos em cada segundo que o tempo perde a pensar, que nos mata neste mundo.
Eu recuso-me a morrer, o tempo que se mate ao passar e morra em cada segundo, porque eu vivo a vê-lo passar e nasço assim pelo mundo. E é uma tal confusão, perco o relógio, invento um tempo que nem sabe que há morrer. É um tempo que não pára e passa a vida a morrer, preso aos ponteiros de um amor, que não pára de nascer...
Porque parar o tempo hão-de ver, só o amor para o fazer...
Eu recuso-me a morrer e se acaso tiver mesmo de ser, morro de amor só para poder, morrer em cada segundo e sentir até morrer, o nascer que um amor pode ter...




Nascer do Sol - Claude Monet


...Morre lentamente quem não soube o que era amar, parar o tempo sempre no mesmo lugar e poder lá voltar só para te ficar a olhar...

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